domingo, 25 de novembro de 2018

A princesa com botas

Era uma vez.... Não, não. Não é assim que se começa um conto de fadas atual. De novo... 

Num reino tão, tão distante, num país tropical em que não há maçãs e nem neve, existe uma princesa. Uma princesa que nem era tão princesa assim, era apenas uma menininha que o pai chamava de princesa. 
Ela foi a primeira filha do casal, a primeira neta, a primeira sobrinha... Era aquele bebê mais lindo, cachos loiros, grandes olhos azuis, que todos queriam carregar, abraçar, dar beijo, apertar as bochechas. 

Sua mãe sempre colocava botas nela, achava que assim os pés estariam protegidos da sujeira e não ficaria doente com facilidade. Mas ela foi crescendo e não gostava das botinas. Achava elas fora de moda, feias, velhas, escuras, esquisitas. Mas a mãe quem mandava e ela saía pra ir passear, sempre com as botas. 

O pai concordava com a sua princesinha, também achava as botas horripilantes e quando estavam juntos, só ela e o pai, ele a deixava livre. Dizia que princesas tinham que ter sapatos brilhantes, imaginários, com asas que pudessem até voar. Então a deixava descalça, deixava pisar na terra, correr  e até se machucar. Ensinava tudo sobre outros mundos. Além dos sapatos imaginários, vestia nela uma capa dourada e assim, eles podiam viajar para os lugares mais distantes que histórias dele poderiam contar. 

Mas quando a princesa precisava voltar pra casa, tinham logo que vestir as botas, ou mamãe ficaria uma fera. Calçava as velhas botinas, guardavam a liberdade numa mochila imaginária e assim corriam os dias. Seu pai quase não ficava em casa, por causa do seu trabalho em outras terras também distantes, cuidando das obras dos reino nas florestas mais bonitas. 

Ela sabia que as botas eram necessárias, que sem elas, poderia pegar uma doença terrível e até morrer. Quando ficou maior pensava, "mas de que adianta viver sem poder sentir?". Ficava cada dia mais triste com a mãe, mas era sua mãe, não poderia contestar. Afinal, ela era só uma menina, não sabia nada. Mas seu pai lhe ensinava sentir e toda vez que estavam juntos, ela calçava seus sapatos imaginários com asas e sua capa dourada. 

A família foi crescendo, a mamãe lhe deu duas irmãs que ela amava. Eram todos felizes, mas as meninas não usavam botas! Por que não? Elas não precisavam, elas não queriam voar. Elas não saiam de casa sem a mãe. Elas não eram princesas que queriam conhecer outros reinos. Então, pra quê botas? 

Assim, ela entendeu que ser diferente tem suas consequências. Se você quer ser livre, é preciso cautela, cuidado, é preciso enfrentar coisas que nem sempre se gosta. 

Mas um dia, o pai dela foi para outro reino e não voltou. Ela sabia que nunca mais o veria. ele já estava velho e enfraquecido, não usava botas e pegou uma doença terrível, já não tinha forças pra viajar pra tão longe. E então, ela se fechou. Usou as velhas botas por muitos anos, não podia mais usar seus sapatos voadores. E ela chorou, chorou com o coração doído. Chorou por ele e por ela. Ela bem sabia que as coisas não seriam fáceis. Procurou em outras pessoas, outro pai que pudesse fazê-la usar sapatos com asas, mas, ao contrário, só ofereceram botas. E botas mais velhas e mais pesadas, que machucavam seus pés, que davam calos horríveis que deformaram seus dedos pra sempre.

Mas certa noite, uma fada apareceu nos seus sonhos e disse que ela receberia um presente. E apareceu  um sapatinho bem pequenininho, daqueles feitos de tricô, todo fofinho, em sua casa. E ela se perguntava: "Mas como eu vou conseguir calçá-los se são tão pequenos?". Imaginou se seu pai estivesse ali. Ele diria, "Não importa o tamanho dos sapatos, importam se eles pode te fazer voar!" 

E a princesa parou de chorar, está se adaptando ao novo calçado, não sabe ainda se ele a fará voar, mas sabe que ele já cabe perfeitamente em seus pés! 



Nenhum comentário:

Postar um comentário